REFLEXÃO II





NEGAR A SI MESMO


Então ele chamou a multidão juntamente com os discípulos e disse: "Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a vida por minha causa e pelo evangelho a salvará. Marcos 8.34




            Após ter passado por algumas aldeias de Cesaréia de Felipe Jesus parou um pouco e começou um diálogo com seus discípulos. Estava ali conversando como era de costume quando algo parece ter inquietado o coração do mestre. Ele queria saber qual a opinião que seus discípulos tinham dele. Ao ponto que Pedro afirma: Eu sei quem tu és. Para mim tu és o Cristo. Logo após Jesus profeticamente diz das situações que iria passar por causa da vocação dada por Deus a ele. Que teria de padecer, mas ressuscitaria no terceiro dia. Nesse exato momento percebe-se que Pedro, o mesmo que cria na vocação do Cristo retruca provavelmente: "Não mestre. Não é necessário que isso ocorra". Jesus repreendendo Pedro diz: “Aparta-te de mim Satanás”. O fechamento do diálogo creio que está no texto que refletiremos hoje: a idéia do negar-se a si mesmo.
            Jesus queria ensinar algo para seus discípulos e não apenas a estes, mas a toda multidão que o circundava naquele momento, algo que mudaria toda a concepção de vida para eles, que em grande estima traria uma conseqüência de mudança no próprio espírito dos presentes e de nós hoje. E é nesse contexto que nasce o versículo 34 do capitulo 8. Jesus indica que aquele que participa de sua vocação deve tomar atitudes extremas, consideradas até mesmo radicais para a época, mas que eram necessárias para que o mundo entendesse sua mensagem, sua boa nova, seu evangélion.
            A primeira atitude a se tomar ao se deparar com o chamado sagrado que identifica-nos como vocacionados diante de Deus é a negação do si mesmo. Mas, o que Jesus queria dizer com isso? O que é negar a si mesmo? O homem tem uma inclinação natural a pensar sempre primeiro em sua necessidade, seja qual ela for: alimentícia, emocional, espiritual e até mesmo financeira. Isso é próprio de nossa animalidade humana. Queremos sempre salvar a nossa pele nessa selva de pedra que chamam mundo urbano! (risos). Assim lutamos arduamente, principalmente no contexto que vivemos de uma economia voraz e exploradora de pessoas, para nos mantermos, para vivermos sobrevivendo. Dessa forma, somos tentados a pensar sempre no “eu” e no suprir do mim nunca no outro. Negar a si mesmo nas palavras de Jesus significa se dispor inteiramente ao seu chamado aniquilando o poder que as necessidades têm sobre nós. A capacidade de dependência delas precisa ser anulada dando lugar à nossa alteridade, ao nosso espírito de fraternidade e solidariedade. Por isso Jesus diz em Mateus 6.25 “não fiquem ansiosos”. A ansiedade é um mal que cabe a nós mesmos controlar através do poder do auto-domínio. Ela abre a porta para que as necessidades dominem tanto nossa a vida a ponto de não olharmos mais nada e ninguém apenas nós mesmos. Como alguém neste estado de profunda ansiedade e preocupação consigo poderia seguir o mestre?
            Quando nos livramos de uma visão radicalmente egocêntrica nossa responsabilidade aflora como responsabilidade de vocação para com a causa de Jesus: a promoção do Reino de Deus. Essa responsabilidade chega a modificar tão significativamente nossa vida que mesmo o conteúdo de nossas orações sofrem uma mutação. O diálogo com Deus passa a não ser mais uma busca frenética por bens pessoais, por uma satisfação puramente indiviualista mas, por bens comunitários, bens, ou numa linguagem mais cristianizada, bênçãos que atendam a todos. A oração deixa de ser: “Senhor abençoa minha familia” para ser “Deus abençoa nossas famílias”; ou “Jesus enche meu armazén de mantimento” para ser “Pai dá de comer a todos aqueles que têm fome”. Nos incomodamos em falar com Ele: “Senhor dá-me uma casa luxuosa para que a possa habitar”. Para clamamos: “Senhor abençoa-nos com habitações, tem misericórdia daqueles que não tem onde dormir, comer e descansar”. O singular é substituído pelo plural. Nosso diálogo oracional sai do pronome reto ‘eu’ para o ‘nós’. Nossa sensibilidade fica mais perceptível, nos sentimos totalmente responsáveis pelas outras pessoas que não tem o que não temos.   
            O negar a si mesmo de Jesus é uma proposta enriquecedora para nós. Proposta esta que causa uma transformação interior de desapegamento de nossos próprios interesses para que se abra num interessamento pela causa de Jesus. E qual a causa de Jesus: o amor ao próximo, o cuidado para com outrem, o serviço (diakonia) para com aquele que está diante de mim. Negar a si mesmo constitui-se num abandonar a casa do eu, a habitação nefasta do viver em si mesmo, fechado para si e cego em relação ao outro. Para segui-lo é necessário que em nós resida essa compaixão solidária, que oremos pelos que padecem e, não apenas nos conformemos em orar, mas em realizar esse Reino que nos foi legado por Jesus no hoje, no agora, a partir dessa transformação e práxis benfazeja que exige um sacrificio pessoal. Um tomar a cruz.
              Tomar a cruz é atitude dolorosa, de sentimento compartilhado, é um chorar com o outro, sorrir com o outro, viver com o outro, partilhando cada momento, cada circunstância, cada situação, cada preocupação lutando para a amenização do caos interior do próximo (Romanos 12.15). Por isso, apenas quem é liberto da prisão de si poderá desempenhar esta diakonia altera ( serviço por alguém=outro).
                  Deixar os interesses próprios para pensar nos problemas alheios não é atitude fácil de se tomar. Na realidade é necessário que confrontemos nossos desejos mais profundos e abramos mão de muitas das satisfações que poderíamos ter focando nosso olhar em nosso próprio umbigo. Porém, ao que se dedica a vocação, ou a causa de Jesus a satisfação pessoal ocorre de outro modo. Para ele não é um carro, ou uma grande habitação que faz diferença e sentido para sua vida. Não é uma conta gorda num banco multinacional. Não são cultos extáticos cheio de línguas estranhas
e movimentos espirituais e místicos que trazem a beleza de ser um seguidor de Jesus. 
                  O mistério que se desvenda aos olhos de quem sai da mesmice de si e confronta-se a si mesmo é só um: o verdadeiro encontro com Deus no encontro com essa verdadeira vocação que extrapola tempos, que vai além de templos, religiões ou divindades e se depara unicamente com a face de Deus sem morrer, mas vivendo dando sentido ao si liberto de si sendo salvo na face do outro, que é face de Deus. Sua imagem mais nítida, sua semelhança mais semelhante. Imago Dei.

                                                       

                                                                                                                                      Dalmo Santiago Jr.


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