O REGRESSO DA ALMA: NOVAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DICOTOMIZAÇÃO DA REALIDADE EM SANTO AGOSTINHO





* Dalmo Santiago



         Este texto vem com objetivo de refletir sobre o pensamento agostiniano de forma nova desestruturando algumas compreensões errôneas acerca desse pensador influenciador de toda a Idade Média. Historicamente está situado na Antiguidade Tardia em fins do século IV e inicio do V. Partir-se-á da idéia de Regresso da Alma para destacar alguns elementos significativos do pensamento agostiniano desmistificando alguns pontos que são erroneamente compreendidos por aqueles que se detém no estudo dessa figura filosófica e teológica notável. Dessa forma, criaremos uma linha de raciocínio que finca o Regresso da Alma como norteador para as reflexões que Agostinho produziu. É importante destacar que Agostinho numa perspectiva platônica e plotinina da realidade centraliza em sua discussão a questão do regresso da alma identificando a anima como elemento do transcendente e do ideal e a corpore como situação no sensível para assim compreender melhor o que o pensador a ser refletido traz sobre a questão da espírito e da matéria.
         Agostinho reflete sobre o Regresso da Alma com bases na obra de Porfírio que se utiliza desse termo como título realizando um profundo pensamento sobre a anima e a corpore. Porém, ao analisar seu pensamento, muitos estudiosos, em sua maioria, tem confirmado a idéia de que Agostinho via na corpore o inferior, o ínfimo, e por isso um claustro para a anima. Moacyr Novaes, professor de filosofia Patristíca e Medieval da USP, parece discordar desse modo de pensar o Regresso da Alma de Agostinho. Ele afirma que o mesmo defendia que a alma sempre deve desejar voltar a seu lugar de origem. Isso seria um se libertar. Mas segundo Novaes, ele nunca condenou a natureza corpórea nem mesmo a entendia como claustro da alma ou natureza má. Nisso concordo com Novaes.
         O pensamento agostiniano abre um novo sentido da compreensão de Regresso da Alma que não estava claro ainda. Ele contribui para a filosofia quando afirma que para que o homem consiga encontrar a verdade de forma filosófica é necessário que não haja um desprestigiar nem da alma nem do corpo, nem da idéia, nem da matéria, mas uma síntese entre ambas. Esse pensamento rompe com a idéia de que a priori a alma deveria ser purificada do corpo para obter o conhecimento acerca da verdade. Para se conhecer o que é verdadeiro era necessária essa síntese que ia contra a opinião maniqueísta. 
         Para os maniqueístas o pensamento humano deveria considerar as coisas ínfimas, inferiores da realidade para a obtenção do conhecimento verdadeiro. Isso seria um limitar-se a inferioridade do corpo e da matéria. Agostinho afirmando a síntese já dita se posiciona contra o maniqueísmo possibilitando um conhecimento mais eficaz já que o mundo sensível é sombra, imagem do inteligível e, compreendendo ambos os mundos se teria uma visão mais ampla e detalhada sobre as coisas, adquirindo assim um conhecimento melhor e eficaz possibilitando um alcançar da verdade. 
         A idéia de dicotomização antitética da realidade é ainda presente no pensamento agostiniano, segundo as estruturas basilares do platonismo, isso não se pode negar. Agostinho aceitava a idéia de que a realidade concreta, o mundo sensível de Platão, era a sombra das coisas inteligíveis, do céu. Porém, isso não deve ser levado a uma compreensão de negação do corpo ou da existência como na maioria das vezes se refere a ele.       É claro que isso vai trazer conseqüências no aspecto moral da época onde está inserido.
         É na Idade Média que os escritos de Santo Agostinho terão seu receptáculo maior. A Igreja passou a desenvolver todo um sistema de leis morais e éticas fundamentado na filosofia agostiniana. Produzindo uma leitura errônea de seus textos a Igreja passa a ser negadora de toda a realidade existente na concretude valorando o além mais que o aqui. Isso fez com que, a partir dessa compreensão, a igreja cristã fosse se distanciando do mundo e se desresponsabilizando. Aos poucos isso foi ocasionando na alienação da mesma, pois, a Igreja passou a se preocupar com coisas supraterrestres e não com a realidade humana. 
         Isso claro influi no modo de se produzir ética na Igreja já que a mesma irá, através da dicotomização antitética entre corpo e alma, estabelecer uma ética anti-corpo, anti-prazer. O corpo passa a ser considerado o lócus do mal ontológico. É nele que se possui a fraqueza do pecar, do agir segundo as paixões, voltando-se aos vícios. Por isso se prega uma vida de castidade, de pureza espiritual voltada a uma sublimação dos desejos, àquela sublimação freudiana. Negando os desejos o ser humano nega sua humanidade, seus instintos como Nietzsche falara em seu O Anticristo. Isso gera um problema no Mundo Ocidental: a alienação patológica.
         Creio ser necessário trazer uma reflexão nova sobre Agostinho que aclarareará acerca de seu pensamento sobre corpo e alma. Agostinho não defende que o corpo é lócus do mal, mas que ao se inclinar mais ao corpo, à carne, o homem se deixa levar unicamente pelas paixões, o que faria com que o mesmo fosse prejudicado. O bispo de Hipona cria uma síntese entre esses dois elementos, idéia e matéria, antes antagônicos. Sintetizando esses elementos obtém-se uma compreensão mais holística das coisas e da própria vida. O que penso é que a partir daí que devemos encontrar uma solução para a problemática da perspectiva fechada da moralidade cristã. 
         Pensando na visão agostiniana, no que se refere a uma síntese do que é inferior ao superior, podemos raciocinar um novo modelo de ética em Agostinho. A vida conflui não em uma perspectiva monolítica, mas pluralista, e aqui poderia dizer mais resumidamente dual. A vida é repleta de significações conceituais acerca de tudo. Não quero debater no momento se as conceituações são formas leais de se compreender a natureza das coisas como Nietzsche negou em sua filosofia. Essas significações surgem numa dicotomização do tudo: bem-mal, belo-feio, alto-baixo, largo-curto etc. Viver a vida escolhendo apenas um dos lados dessa dicotomia, afirmando ser essa a forma verdadeira de se viver, é fechar-se num entendimento incompleto da vida. É ver a vida e vivê-la apenas por um lado não percebendo as demais outras coisas que fazem parte desta e lhe conferem sentido. Agostinho não concordava com isso.
         Para o Agostinho as coisas que se entende como desprezíveis são importantes para poder ser entender as coisas perfeitas já que tudo é produto do intelecto criativo de Deus. Seria interessante nós abordarmos aqui sobre o texto de Isaías 45:7 que diz: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas”. Se Deus é criador de todas as coisas e também do mal então nasce uma nova moral distinta da cristã eclesial, não mais da negação dos paradoxismos considerados negativos, mas da aceitação. Já que Deus é o criador de todas as coisas e também do mal, para poder se chegar a ele, de quem verdadeiramente ele é, torna-se preciso que haja uma aceitação daquilo que antes se entendia por desprezível: mal, feio, curto etc. Assim até mesmo as significações mudam e passam a não mais serem consideradas inferiores, mas tão necessárias quanto aquelas aceitas como superiores.  
         Esse pensamento seria uma forma de perceber a vida em sua totalidade, em sua complexidade e pluralidade. Não há uma mistura de mal e bem, mas uma necessária e indissociável relação entre ambos. Isso é do humano, é ele quem convive com esses paradoxismos existenciais e diante deles deve tomar alguma posição. Porém nunca deve haver uma exagerada inclinação a uma realidade mais que outra. Buscar o equilíbrio, no sentido aristotélico da palavra, deixando-se ser levado a experiência dessa dicotomização à medida considerável de cada realidade, é a atitude mais coerente para o conhecimento mais próximo, ou por que não dizer real das coisas e do próprio sentido de viver um bom viver. 

1 Response to "O REGRESSO DA ALMA: NOVAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DICOTOMIZAÇÃO DA REALIDADE EM SANTO AGOSTINHO"

  1. Anônimo Says:
    5 de dezembro de 2013 às 14:23

    o regresso de quem nunca foi enviada, jamais existiu.

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